"Mudar paradigma" e conhecer território. Autarquias enfrentam desafios para tornar cidades mais pedonais

por Gonçalo Costa Martins - Antena 1
Foto: Gonçalo Costa Martins - Antena 1

A segurança de quem anda a pé é um dos temas centrais da Walk 21, uma conferência internacional que decorre esta semana em Lisboa e que atrai técnicos e especialistas de todo o mundo, mas também do país.

À saída de uma das sessões no Iscte, o Instituto Universitário de Lisboa, João Diogo Semedo concorda com uma das ideias ouvidas: nem sempre têm dados concretos para tomar as melhores decisões pelos peões.

Para “criar as melhores condições para quem anda a pé”, o vice-presidente da Câmara de Ílhavo, com a pasta de mobilidade, diz que nos últimos tempos fizeram um “levantamento exaustivo” dos passeios no concelho.

“Desconhecíamos de uma forma sistematizada as restrições e as condicionantes do nosso território", assinala o autarca.

Nesta sessão dedicada à segurança pedonal em que a Antena 1 esteve presente, muitos falaram da falta de informação sistematizada para tomarem as melhores decisões.
E que dados podem ser esses? “Olhar para a infraestrutura, fazer um levantamento de como são os passeios e as travessias, entender o que está construído, o volume de tráfego e de pedestres, como eles estão interagindo”, explica Andréia Lopes Azevedo, uma das oradoras da sessão.

Ter esses dados exige “tempo, pessoal, dinheiro”, pelo que “pode ser uma dificuldade em conseguir fazer esse levantamento, essa avaliação do que existe”
, aponta Andréia, que é coordenadora na POLIS, uma rede de cidades e regiões europeias dedicada à mobilidade.

Ao mesmo tempo, outro problema, aponta o autarca João Diogo Semedo: “hoje em dia os municípios não conseguem combater com o setor privado nos ordenados que se pagam”.

“Muitas vezes as câmaras têm que recorrer a um apoio especializado e externo”, sublinha, dando o exemplo de que têm duas vagas em mobilidade sem candidatos.

A coordenadora da Estratégia Nacional de Mobilidade Ativa Pedonal, Sofia Pires Bento, está a par destas dificuldades, mas fala também de mentalidades que são precisas mudar.

“Muitas das vezes os municípios não têm corpos técnicos suficientes, robustos e com a formação adequada porque foram formados ainda num tempo em que tudo era pensado em torno do carro”, diz na Antena 1.


Para reduzir a sinistralidade rodoviária que atinge peões e para lhes dar mais segurança, “são os municípios a peça mais importante” porque põe em prática as medidas, pelo que Sofia Pires Bento sublinha que importa apoiá-los.

No âmbito da estratégia, explica que foi criada uma rede colaborativa sobre mobilidade ativa (já conta com 188 entidades, sobretudo municípios), têm sido divulgadas oportunidades de financiamento e documentos sobre esta matéria.

“Precisamos de fazer essa mudança de paradigma e desenhar cidades para peões e não para carros”, resume.
Caminhar para melhorar segurança pedonal
Colocar os peões como prioridade na circulação, entre bicicletas, transportes públicos ou outros veículos de transporte privado, implica dar mais segurança a quem anda a pé.

“Ou não dá para incluir tudo em todas as ruas ou temos de repensar a prioridade que se dá a cada modo”, aponta a técnica Rita Jacinto, rematando: “se queremos mais pessoas a andar a pé e mais seguras, mais crianças a ir a pé para a escola, mais convívio no espaço público, temos de dar mais espaço para os peões”.

Rita trabalha na divisão do Plano de Acessibilidade Pedonal de Lisboa e diz na Antena 1 que reduzir a gravidade de atropelamentos nas cidades não passa só pela redução de velocidades.

“Não basta ter um sinal a dizer ‘proibido ir a mais de 50 km/h ou 30 km/h’. A própria infraestrutura deve induzir o condutor a andar mais devagar”, afirma a funcionária da Câmara de Lisboa, por estes dias a participar na Walk 21.

Isso passaria, explica, por alterar o desenho das estradas, impedindo “curvas a uma certa velocidade” ou evitando “vias muito largas em linha reta”.

Andréia Lopes Azevedo concorda: “Muito já foi feito e de facto existe uma melhoria, mas os atropelamentos continuam sendo um problema”.

“Existem novos desafios que vêm com a mudança na mobilidade”, com a “introdução de bicicletas e de trotinetas”, mas “os acidentes de maneira geral entre veículos e pedestres continuam sendo um problema”.

Entre ideias, projetos e estratégias, passá-los do papel para a prática torna-se noutro desafio, com Andréia Lopes Azevedo a explicar que muitas vezes “a implementação acaba esbarrando em vontade política, ou na falta de prioridade no tópico”.

Deixa por isso um apelo a consensos por uma questão maior, a da segurança de quem anda a pé: “não acredito que nenhum político vá achar que é errado salvar vidas, evitar atropelamentos”.
PUB